A Entrevista


MUNDI

O tenente Lindalvo Rosas é um personagem dramático...

ARAMIS TRINDADE

Foi uma homenagem que os roteiristas Paulo, Lírio e Hilton Lacerda, e o pesquisador Frederico Pernambucano fizeram à volante pernambucana, que teve grande participação na luta contra o cangaço. Especialmente contra o bando de Corisco. Até hoje só se ouve falar no tenente João Bezerra, da volante alagoana, por ter feito o cerco a Lampião. O tenente Lindalvo é meio inspirado no tenente Manoel Flor, da volante pernambucana, que viveu na época e também perdeu um irmão assassinado pelo bando de Corisco, vivendo obcecado por acabar com o cangaço. O filme começa com esse fato que dá início ao desejo de vingança de Lindalvo.
Fred Jordão/IMAGO Fotografia

MUNDI

Como é a personalidade do tenente Lindalvo?

AT

Por ser um militar de certo nível cultural, ele revela uma certa ironia. Gosta de usar metáforas, traçando paralelos entre a metralhadora e a mulher, por exemplo. É um personagem forte, marcando cenas fortíssimas, em plano seqüência, que chegam a durar três minutos. Talvez isso explique a valorização do trabalho de ator.

MUNDI

E a composição do personagem?

AT

Como sou, além de ator, um dos produtores do filme, tive muita raiva durante estes três anos de captação de recursos e filmagens, que acabou servindo de suporte em muitas ocasiões. Também houve coleta de informações com a família Flor e do próprio texto do roteiro, mas a raiva, devido aos atrasos no andamento do filme, valeu como subtexto para as emoções do tenente.
Fred Jordão/IMAGO Fotografia

MUNDI

Houve pesquisa sobre o sotaque e o modo de falar pernambucano nos anos 30, época do enredo ?

AT

A grande pesquisa foi do roteirista Hilton Lacerda, que transpôs os termos da época com a ajuda do Frederico Pernambucano. Eu, particularmente, não tive problemas com o sotaque, que é mais carregado no interior, pelo convívio com o grupo da Paixão de Cristo, em Fazenda Nova, Nova Jerusalém (comecei lá em 78, como palhaço de circo). Não foi difícil carregar sem exageros. E era isso que os críticos do sul achavam mais bonito, essa musicalidade natural das personagens. É um sotaque ainda encontrado hoje no interior, porém mais marcante na época, sobretudo pelas expressões, como "febre do tampão", "malofobia do cão" e "nosso senhor Jesus Cristo", que estão no filme (fala imitando o personagem).

MUNDI

Fale sobre as filmagens...

AT

Nosso cronograma, baseado no orçamento, previa um tempo inábil, de seis semanas. Duas delas foram feitas no Recife e mais quatro no Sertão, envolvendo cidades de Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia. Seguimos o caminho que Lampião fazia. No Sertão foi tudo muito desgastante, pois estávamos longe de um pólo de produção, sem infra-estrutura. Mas o que atrasou mesmo foram os problemas financeiros. Uma coisa é você captar o dinheiro e outra é tê-lo no caixa. Desde a concepção do projeto, da nossa produtora Saci Filmes, até a finalização e decupagem, foram três anos.
Fred Jordão/IMAGO Fotografia

MUNDI

Qual a sua opinião sobre essa nova versão do cangaço, que mostra um Lampião deslumbrado com a modernidade?

AT

Isso é o que eu acho mais legal no filme que, ao contrário dos outros, onde o enfoque é mais sobre a violência, revela o aburguesamento do cangaço, já em sua fase final, entre 1937 e 1938. Era a época da chegada da informação, da metralhadora, do jipe, do telégrafo. Vemos, então, em imagens reais registradas pelo único cinegrafista que as fez, Lampião se perfumando com Fleur d’Amour, bebendo uísque White Horse e lendo O Globo. O filme mostra na verdade as razões da morte de Lampião e do cangaço, que foi justamente a vinda da modernidade. E não é sobre Lampião, mas sobre um cineasta, o Benjamin Abrahão, que o filma no fim da vida, quando só vivia de extorsão, com um bando de cerca de dez cangaceiros apenas.

MUNDI

Depois destes prêmios, quais os seus próximos projetos?

AT

Fui convidado pelo Secretário de Cultura do Estado, o professor Ariano Suassuna, para fazer o papel dele mesmo numa adaptação sua do texto de Romeu e Julieta. O personagem é o narrador da estória, o Dom Pantero, e fui convidado porque, segundo Ariano, imito ele direitinho (diz imitando Ariano). A peça faz parte de um projeto grande, a ser levado para cidades como Curitiba, Rio e São Paulo. Em televisão há um outro projeto, que talvez vingue, com a Rede Globo e a Fundação Roberto Marinho, sobre a História da Arte. A direção é de Romero de Andrade Lima, que me situa como protagonista. O contrato será de um ano e acho que não vou precisar ir para o Rio, porque gosto mesmo é de morar aqui. Quanto a projetos cinematográficos, até agora nenhum em vista.
Fred Jordão/IMAGO Fotografia

MUNDI

Pra você o que é mais gratificante: fazer um papel dramático no cinema com uma boa repercussão depois, resultando num prêmio deste porte, ou fazer comédia nos teatros do Recife, vendo a platéia rir toda semana?

AT

As duas coisas. Às vezes a gente não ganha prêmio, seja com papel cômico ou dramático, mas já é gratificante ter um público e um espetáculo que corresponde às expectativas. Com a peça "Mamão Não Pode Saber", do João Falcão, por exemplo, a gente ficou quatro anos em cartaz, só acabando a temporada agora. Quando há premiação, é lógico que a gente fica feliz, já que o trabalho está sendo reconhecido. Mas se não há, trabalha-se com a mesma integridade.

MUNDI

Obrigado.



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