Eu tive um sonho que eu estava certo dia num congresso mundial discutindo economia.
Argumentava em favor de mais trabalho, mais emprego, mais esforço, mais controle, mais-valia.
Falei de pólos industriais, de energia, demonstrei de mil maneiras, como que um país crescia.
E me bati pela pujança econômica, baseada na tônica da tecnologia.
Apresentei estatísticas e gráficos demonstrando os maléficos efeitos da teoria, principalmente, a do lazer, do descanso, da ampliação do espaço cultural, da poesia.
Disse por fim, para todos os presentes, que um país só vai pra frente, se trabalhar todo dia.
Estava certo de que tudo o que eu dizia representava a verdade pra todo mundo que ouvia.

Foi quando um velho levantou-se da cadeira e saiu assoviando uma triste melodia, que parecia, um prelúdio bachiano, um frevo pernambucano, um choro do Pixinguinha.
E no salão, todas as bocas sorriram, todos os olhos me olharam, todos os homens saíram, um por um, um por um, um por um, um por um.
Fiquei ali, naquele salão vazio, de repente senti frio, reparei: estava nu.

Me despertei, assustado e ainda tonto, me levantei e fui de pronto pra calçada ver o céu azul.
Os estudantes e operários que passavam davam risada e gritavam: "Viva o índio do Xingu!
"Viva o índio do Xingu! Viva o índio do Xingu! Viva o índio do Xingu! Viva o índio do Xingu!"

 

- Gilberto Gil, 1992.